segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Diluente Crónico #4 (in Jornal Cidade Hoje)


Educação, volta: Estás Perdoada!


Estranho! “Estranho”, é a palavra que inicialmente me vem à cabeça quando penso que o Orçamento da Educação para 2011 tem um corte de 11,2% - a maior diminuição de sempre. Haverá menos 30% de verbas para o ensino cooperativo/privado, enquanto que para o público existirá menos 11%. Em seguida lembro-me de quem lidera os destinos económicos de Portugal. A palavra com que iniciei esta crónica acaba por desvanecer, afogada pelo desânimo do costume…

Coloco fora de discussão qualquer tipo de disputa entre os ensinos público e privado/cooperativo. Na verdade, ambos os sistemas podem coexistir e poderia até haver ajustamentos, como os tais cortes anunciados, estando nós a passar por um período de recessão, mas não desta forma. O que o Governo agora propõe é algo surreal, mudando completamente as “regras do jogo” definidas para este ano lectivo (que ele próprio definiu). Com efeitos retroactivos desde Setembro, o actual executivo pretende fazer com que sejam pagos este ano 86 mil euros, enquanto o vencimento dos professores, funcionários e despesas com as turmas é de 93 mil euros/ano! Não posso deixar de enviar uma palavra de solidariedade a todos os Gestores de Educação que se vêm hoje com a “batata quente” na palma das mãos, que cai no colo de todos os estudantes.

Olhemos para o exemplo da Didáxis, a escola onde estudo há cerca de 8 anos e uma das mais prestigiadas cooperativas de ensino do nosso país: tem uma gestão autónoma, mas para além dessa característica, funciona do mesmo modo que o ensino oficial, isto é, sem diferenciação de acesso. Há abertura total à sociedade, não sendo cobradas quaisquer propinas mensais. Deverá então ser posta no mesmo saco que as escolas (literalmente) privadas?

A verdade é que em tempo de crise, o que todos querem é sair o mais rapidamente possível dela. Ora, não é preciso ter-se um doutoramento em ciências económicas para se saber que sem uma Educação forte, torna-se mais difícil haver um crescimento económico também ele forte. Investir na Educação e na Formação dos nossos cidadãos não é, nada mais, nada menos, do que investir em capital humano, que por sua vez nos leva a um aumento do crescimento económico. Desenganem-se aqueles que pensam que existe margem de manobra nesta questão… Qualquer economista tem a obrigação de saber que o investimento em capital humano é hoje a principal fonte de crescimento económico moderno a médio/longo prazo (verdade académica) – mas será que o “estrutural” interessa a quem nos governa?

Hoje não temos políticas contraciclo, próprias da Economia moderna: Em tempo de recessão, o Estado deverá aplicar políticas expansionistas que façam com que a economia cresça. Aprende-se esta complexíssima teoria no 12º ano de escolaridade (quem escolher a disciplina de Economia C)… Quem não se lembra de há uns meses ouvir o nosso Primeiro Ministro na televisão a discursar com elegância acerca da importância de se investir na Educação com vista à saída da crise? "Este investimento que estamos a fazer nas escolas é o melhor investimento que podemos fazer para combater a crise, para dar emprego, para dar oportunidades às empresas portuguesas e ao mesmo tempo investirmos naquele sector que é absolutamente fundamental para o sucesso económico do nosso país", disse José Sócrates no dia 30 de Janeiro deste ano. O que mudou? Terá mudado a chave de sucesso anteriormente profetizada?

Fazer boa política macroeconómica é pensar em prol da população, não em prol de índices ou medidores externos ao serviço daquilo que é efémero, ou seja, recorrendo a políticas conjunturais de curto prazo. Pensar em prol da população, é fazer com que haja crescimento económico, para que com ele se possa sair da actual crise (a maior de sempre desde a Grande Depressão de 1929-1933), de modo a aumentar os postos de trabalho e a qualidade de vida dos que cá vivem. Não se melhora Portugal ao aplicarem-se medidas conjunturais, que no fim desta caminhada, apenas afectarão negativamente a nossa frágil economia neste “Outono económico”, tal como escrevera o economista “soviético” Nicolai Kondratiev.

Se para sairmos da crise é preciso investir, para investirmos é preciso… Investir-se. Aumentará o défice a curto prazo, mas contribuirá tremendamente para nos dar a Economia que todos desejamos, num médio/longo espaço de tempo. Disse um dia o Professor Henrique Medina Carreira que “andamos sempre à procura daquilo que se vê. Aquilo que está atrás do que se vê, já ninguém vê”. Fica a dúvida: Não vemos porque não conseguimos, ou porque não queremos?

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Globalização Financeira


Um dos fenómenos notáveis da economia contemporânea é a ascensão e em flecha da finança internacional num contexto de globalização. A globalização financeira pode ser definida como um processo de interligação dos mercados de capitais aos níveis nacionais e internacionais, conduzindo ao aparecimento dum mercado unificado do dinheiro à escala planetária. A globalização financeira inscreve-se num processo histórico longo e complexo, conduzindo à mundialização da economia. As suas causas são múltiplas, de ordem política, demográfica e tecnológica. A globalização financeira deu origem a análises divergentes, mais ou menos optimistas quanto aos seus efeitos sobre o funcionamento da economia mundial. Há, no entanto, um consenso sobre a necessidade de uma reforma da arquitectura financeira internacional, a fim de adaptar esta à globalização dos mercados. Um "novo Bretton Woods" não será ele necessário neste início do século XXI?

As três dimensões da mundialização

Fenómeno complexo, a mundialização abrange uma grande diversidade de processos. Corresponde, em primeiro lugar, à abertura das economias nacionais às transacções internacionais e ao desenvolvimento das trocas de bens e serviços (dimensão internacional). Ela corresponde, a um segundo nível, à mobilidade internacional dos factores de produção, e mais particularmente à dos capitais, é a esta última mobilidade que se chama habitualmente globalização financeira. O vector mais importante deste movimento é constituído pelos movimentos internacionais de capitais, e mais particularmente pelos investimentos directos no estrangeiro (IDE), realizados pelas empresas multinacionais (dimensão multi-nacional). Por último, a mundialização é um processo de interpenetração crescente das economias nacionais, tendendo, pois, a reduzir progressivamente o papel das fronteiras, a enfraquecer as regulações nacionais e a des-territorializar as actividades económicas: mais do que de uma internacionalização da economia, trata-se de uma mundialização dos processos de produção e dos mercados, com mercados integrados e empresas que se tornam "actores globais" cujas decisões e comportamentos parecem escapar a qualquer consideração nacional e parecem ditar a sua lei aos responsáveis políticos nacionais (dimensão global). É no domínio da finança que a globalização dos mercados é mais acentuada, com uma mobilidade quase perfeita dos fluxos financeiros à escala planetária1.

Um fenómeno histórico

O processo de mundialização não é novo; é um movimento secular cuja origem os historiadores situam no século XVI, aquando da "descolagem" económica da Europa e da intensificação das trocas desta última com as duas grandes civilizações dessa época, o mundo árabe e a China. Mas, para muitos economistas, o primeiro grande episódio de mundialização económica e financeira situa-se no século XIX, quando se constata uma intensificação das trocas internacionais de mercadorias e de capitais entre a Europa e o "Novo Mundo" das Américas. Trata-se de um processo de expansão "da economia-mundo", de acordo com a expressão do historiador Fernand Braudel, comparável, em vários aspectos, à que conhecemos actualmente. O processo de mundialização é interrompido pelos dois conflitos mundiais, e pelas dificuldades económicas e financeiras entre as duas guerras, nomeadamente a hiperinflação alemã de 1923-24 e a grande depressão dos anos 1930. O fraccionamento da economia-mundo prossegue no pós-guerra e por duas séries de razões. Por um lado, a "guerra fria" divide o planeta em dois blocos. Por outro lado, durante os "Trinta gloriosos" (1945 - 1975), a economia e a finança são organizadas sobre bases nacionais, com um forte intervencionismo dos Estados: é o "regime fordista".




A retoma do processo de mundialização: uma escolha política

Para muitos observadores, a fase contemporânea da mundialização será apenas a retoma do processo interrompido pela guerra de 1914-1918, com a unidade reencontrada de um mercado mundial global e o triunfo planetário da economia capitalista, que se impõe à todos, como antes de 1914. A perda de dinâmica do regime de crescimento fordista, a partir dos anos 1970, explica o regresso em força do capitalismo liberalizado e mundializado. A redução dos ritmos de crescimento ligada à subida da inflação (a estagflação), bem como a queda das taxas de lucro das empresas, provocam uma mudança de direcção nas políticas económicas, marcada pelo aumento brutal das taxas de juro que foi imposto pelo Federal Reserve americano, a partir de 1979. A "revolução conservadora", impulsionada por Ronald Reagan nos Estados Unidos e por Margaret Thatcher na Grã-Bretanha, procura redinamizar o capitalismo através das políticas de desregulamentação e de privatização. Estas políticas, ditas "neoliberais", visam refazer as ligações com a ideologia da livre iniciativa e do comércio livre desenvolvidas por Adam Smith e por David Ricardo no século XIX. Mas, o projecto político neoliberal é diferente porque consiste em dar a prioridade absoluta à lógica do mercado e aos interesses dos detentores do capital financeiro, o que explica o papel dominante da finança no processo contemporâneo de mundialização.

Para o tema, aconselho o leitor a procurar nas livrarias a obra "O Mundo É Plano" do multi-premiado jornalista estadunidense Thomas L. Friedman.