quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Palestra com David Justino

Estive ontem pelas 18h na Didáxis Cooperativa de Ensino (Riba d'Ave, Famalicão) a assistir a uma interessante palestra com o Professor Doutor David Justino, universitário de vasto currículo que liderou o Ministério da Educação de Durão Barroso entre os anos 2002 e 2004.

Era fácil de se prever o tópico principal que o colóquio abordaria, tendo em conta os tempos perturbados pelos quais a nossa Educação está a passar: Liberdade de escolha no ensino foi o mote para motim.

O discurso de David Justino tentou rondar o centrismo no que toca ao "duelo" entre o ensino privado/cooperativo e o oficial, não tendo o professor da Universidade Nova de Lisboa abordado, no tempo regulamentar do seu discurso, a diferença abismal entre os 11% de cortes ditados para o ensino público e os 30% sentenciados para o "privado".

O Ministro da Educação do XV Governo Constitucional expressou não querer batalhar no que toca ao cliché "ensino público vs ensino privado" - promessa que acabou por não cumprir - tendo dito que, na sua opinião, o fundamental seria apenas e só que o Estado conseguisse o garantir da qualidade de ambos, defendendo a sua coexistência. Destaca-se o facto de que embora tenha enaltecido, ao fim e ao cabo, o ensino público, acabou por confessar ter o seu filho a estudar numa escola totalmente privada em Oeiras. A plateia ficou com a impressão de que o ex-ministro estava a propor algo bastante próximo do "aconselho-vos a colocar os vossos educandos no ensino oficial, pois este é óptimo! Mas eu cá ponho o meu no privado... Pelo sim pelo não".

Porque é que a maioria dos pais dos alunos portugueses prefere, à priori, ter os seus filhos a estudar em escolas cooperativas/privadas? Porque é que eles sabem que os seus educandos vão estar mais seguros nessas escolas? Porque é que eles têm a perfeita noção de que os jovens vão estar mais bem acompanhados no ensino cooperativo e particular (no geral!), no que toca aos professores e ao apoio por eles prestado? Arrisco hipótese: Porque a tradicional figura do "patrão" não está a quilómetros de distância das instalações, em nenhum ministério localizado em Lisboa. Referiu um dia Milton Friedman, génio americano laureado do Nobel da Economia, que o Ser Humano gere melhor tudo aquilo que é dele próprio, do que tudo aquilo que pertence a terceiros; só posso aplaudir de pé, pois nunca um quadro directivo nomeado por algum Ministério da Educação superará uma Direcção Pedagógica com interesses próprios: O conceito literal de "patrão presente na loja".

Mas mesmo que o palestrante tivesse conseguido fugir ao confronto entre ambos os "mundos", surpreendeu-me em especial todo o abordar do tema da liberdade de escolha na Educação, tendo David Justino apresentado uma visão claramente anti-libertária da matéria, baseando-se num argumento minimamente carismático mas falacioso.

O ex-ministro expressou junto de todos os presentes na sala não defender actualmente a liberdade de escolha na Educação, acreditando que tal liberdade é utópica, pois para isso teriam de existir escolas cooperativas/privadas em todos os conselhos do Norte ao Sul do nosso país. Ora, e baseando-me noutro tipo de "negócios", lembro-me de que antigamente na freguesia de uma conhecida minha não havia quaisquer táxis. As pessoas interessadas tinham de ligar para a central do concelho sempre que queriam chamar uma "boleia" para as levar onde queria que fosse. Ora, notando esta "falha no mercado", o gestor de uma outra central dos táxis da região acabou por colocar um carro próximo do sítio onde essa minha colega vive, garantindo assim conquista de novo negócio dando transporte mais rápido aos frequentes utilizadores da outra companhia.

Ofereço mais um exemplo: Na cidade onde vivo não há escolas privadas, e houve uma fase, há uns anos atrás, em que os pais de vários jovens faziam questão em que eles fizessem o seu ensino secundário numa escola integralmente privada. Obviamente que aquela dúzia de pais não iria fundar um "Colégio de Famalicão"... Tendo em conta a fama pouco positiva possuída pelo Colégio da Trofa daquela altura, os pais viam-se "obrigados" a enviar os seus filhos para o Porto. Mas da mesma forma que no concelho existiam encarregados de educação com a intenção de enviar os seus filhos para o ensino estritamente particular, também em Santo Tirso, Trofa e outros conselhos à volta havia pais com a mesma vontade. Resultado? O Colégio Riba d'Ouro, no Porto, viu aqui uma boa oportunidade e imediatamente criou um segundo pólo entre todos estes concelhos do baixo Minho/douro litoral. Hoje em dia o colégio em questão é dos mais procurados da nossa zona.

Se não existisse uma única escola cooperativa no concelho X, e se os pais dos alunos quisessem a existência de tal instituição, bastar-nos-ia recorrer à incrivelmente complicada Lei da Oferta e da Procura... Se há falta de serviços, a "mão privada" irá dotar essas zonas desses mesmo elementos.

Vejo à minha volta que negócios existem imensos, a diferença é que, por vezes, está do lado de quem os regula.

Não achei o argumento minimamente plausível, e só não intervim pois tive de sair da sala antes da segunda ronda de perguntas por motivos de força maior. Fica o conselho: Deixem as pessoas comandar os seus próprios destinos de vida, caso isso não vá contra a liberdade de terceiros.

Máquina estatal minimalista precisa-se urgentemente em Portugal. Está na altura de todos nós (uns mais que outros) relermos a verdadeira definição da palavra "Estado" - ninguém ficará a perder. "Viver e deixar viver", essa deveria ser a via de qualquer democrata.

4 comentários:

  1. Gostei do teu texto. Também estive na palestra e também achei que o racíocinio do sr. prof tinha algumas falhas...mas quero deixar-te aqui um desafio...
    Pelo que escreves, achas normal que os pais queiram que os seus filhos frequentem a melhor escola, certo? Eu também concordo. Mas no modelo que tu defendes, só quem tem dinheiro é que pode optar. O Riba d'Ouro, agora é perto, mas paga-se, é um negócio. E se esse é o melhor (não discutindo se é ou não) só quem tem dinheiro, acede a educação com qualidade. E quem não tem dinheiro? Que faz?
    O desafio é tentar encontrar um modelo em que seja possível a todos escolher, gratuitamente (como manda a constituição) um ensino de qualidade. Que tal? Fico à espera da tua opinião.
    Um abraço e parabéns. É muito bom ver textos destes! Mesmo quando se discorda...um abraço. :)

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  2. Olá Sandra! Antes de mais, obrigado pelo seu comentário :)

    Penso que interpretou mal o exemplo que dei. Concordo com tudo aquilo que a Sandra disse, e não discordamos no exemplo do Riba d'Ouro, pois este foi apenas um caso prático do qual me servi para demonstrar que a lógica da oferta/procura iria sempre auxiliar quem precisasse de obter um certo serviço/bem num certo território nacional democrático e capitalista. Eu sei que o Riba d'Ouro é privado, mas era o melhor exemplo que conhecia para demonstrar que se o agente "empreendedor" tivesse a ganhar com a "necessidade" do agente "consumidor", então o primeiro agente não exitaria em empreender.

    Neste caso, faltava perto de Famalicão, uma escola "privada" de qualidade (e por isso os investidores do Riba d'Ouro estiveram bem atentos e de olhos abertos) mas certamente o efeito seria o mesmo caso faltasse em Famalicão uma cooperativa onde os pais dos alunos nada pagariam. E porquê? Porque haveria sempre quem "lucrasse" extraíndo regalias com a criação da escola (só que em vez de serem accionistas, chamar-se-iam sócios).

    Há escolas cooperativas em Portugal que oferecem regalias extraordinárias aos seus sócios e fundadores. Eu se tivesse dinheiro para investir bem que pensava em colocá-lo numa dessas instituições...

    O conceito libertário do "fazer e deixar fazer" pode-se aplicar, felizmente e cada vez mais, a todos os bolsos ;)

    Um abraço!

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  3. Olá Guilherme
    Obrigada pelo teu esclarecimento. Foi optimo. Também eu concordo contigo, com essa ideia liberal de deixar o mercado escolher...com uma diferença, que coincide com aquilo em que discordo do prof Justino: que tal deixar o "mercado" escolher sem distinguir escola publica e privada? O acesso ao ensino deve ser gratuito (logo, financiado pelo estado). A gestão desse financiamento é indeferente ser publico ou privado e o resultado é um conjunto de escolas, com caracteristicas distintas, que podem ser selecionadas pelos pais dos alunos, de acordo com a sua preferencia. Fui clara? (foi um bocadinho a correr..)
    Deixo ao teu comentário, se quiseres e achares que a ideia é válida para comentar.

    Um abraço
    :)

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  4. Olá Sandra. Acho que percebi o que quis dizer. Presumo que quando disse "mercado", se estivesse a referir aos pais dos alunos. Pois bem:

    Sem dúvida que a designação linguística de um certo estabelecimento de ensino é totalmente secundária. O Estado, a meu ver, deverá ser muito capaz de observar a falta de estabelecimentos de ensino numa certa zona, ou mesmo a qualidade de alguns já existentes. Face a isso, deverá então actuar, aplicando as decisões mais eficazes.

    Obviamente que os investidores, directores e utilizadores de uma escola totalmente privada (como o Riba d'Ouro, por exemplo) devem ter também eles a liberdade de mantê-la integralmente privada, pois esse é um direito que lhes assiste (também pela nossa Constituição). Se a escola X não quiser ser subsidiada pelo estado, e ser selectiva com os alunos que nela admite, essa escola tem a liberdade de o fazer. Caso contrário estaríamos a ir contra o "liberalismo" que nós próprios assumimos ;)

    Mas também é verdade que ao governo só lhe interessa (ou deveria interessar) um único fim: Assegurar "um modelo em que seja possível a todos escolher, gratuitamente (como manda a Constituição) um ensino de qualidade", tal como escreveu a Sandra no seu primeiro comentário. Pura e simplesmente isto! Qual a forma de atingir esta meta? Bom, creio que isso sejam "migalhas", pois o importante é atingi-lo, tendo em atenção os conceitos de "maior qualidade" e de "liberdade". A meu ver, o actual modelo não assegura nenhum dos dois.

    Se eu estivesse na pele do presidente de uma cooperativa de ensino X, não me importaria rigorosamente nada de não ser denominado publicamente por "director de uma escola cooperativa portuguesa". Poderia simplesmente ser reconhecido como "director de uma escola portuguesa", pois isso ser-me-ia indiferente. O que eu queria mesmo, era que a minha escola fosse tratada de igual para igual com uma escola pública Y (naquilo em que pudesse verdadeiramente ser tratada de igual para igual...), caso ambas tivessem um produto para oferecer aos portugueses, produto esse chamado "qualidade" (exigindo, obviamente, que o Governo me continuasse a permitir manter a gestão autónoma e privada da minha escola).

    Se os pais dos alunos famalicenses não querem colocar os seus filhos numa E.B. 2/3 Dona Maria, porque é que serão eles então obrigados a fazê-lo?! Não estaremos com isto, a arrastar e a manter viva uma mediocridade gritante a nível da Educação portuguesa?

    Subscrevo tudo aquilo que a Sandra disse neste último comentário: É bom haver diferenças (nos ambientes de estudo, nos métodos de ensino, etc.). O que deveria ser obrigatório, era haver qualidade nas nossas escolas públicas e cooperativas (ou semi-privadas, conforme lhes quisermos chamar)... Ora, como poderá o "mercado" escolher qualidade, sem ter a liberdade para o fazer? Não creio que isso seja possível.

    Um abraço!

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